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Por que 36 mil pais não conseguem adotar 6,5 mil crianças em abrigos


Em um colégio da Zona Sul do Rio, a professora de Ciências conversava com a turma sobre peixinhos, reprodução e filhotes quando, de repente, Maria Clara levantou o braço e, do alto de seus quatro anos, rebateu a explicação: "Tia, isso não é verdade! Não nasci da barriga da minha mãe. Nasci do coração dela". Na mesma hora, sua melhor amiga engrossou o coro: "Eu também, professora!".

Adoção

SERÁ QUE FALTAM CRIANÇAS PARA ADOÇÃO?

Pronto! A docente teve que explicar à turma por que algumas crianças nascem da barriga e outras do coração de suas mamães - ou seja, foram adotadas.

"Ainda hoje, não consigo me esquecer do dia em que recebi a certidão de nascimento da Clarinha, com nosso nome e sobrenome", derrama-se a bailarina Isabella Augusta, de 41 anos.

Existem hoje no Brasil 36,5 mil crianças vivendo em instituições de acolhimento à espera de uma família para chamar de sua. Dessas, apenas 6.567 estão aptas a serem adotadas.

As demais estão fora da lista porque mantêm vínculo com a família biológica ou porque o processo de destituição do poder familiar, indispensável para a consumação da adoção, ainda tramita na Justiça.

"Por lei, essa destituição deveria durar, no máximo, 120 dias, mas, na prática, leva até cinco anos. Enquanto se perde um tempo precioso à procura de parentes biológicos sem vínculo afetivo, a criança envelhece nos abrigos", alerta a advogada Silvana do Monte Moreira, presidente da Comissão de Adoção do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM).


Perfil de criança idealizado por casais impede que a maioria das que estão habilitadas sejam adotadas no Brasil.

A morosidade é tanta que motivou o advogado Eurivaldo Bezerra a chamar a atenção da sociedade para a gravidade do problema no livro Filhos.

Em parceria com o fotógrafo Luiz Garrido, ele reuniu os relatos de 40 pais adotivos, como o ator Marcello Antony, a cantora Elba Ramalho e a atriz Drica Moraes, entre outros.


"Até hoje, não entendo por que a certidão de nascimento dos meus gêmeos levou cinco anos para sair", confessa Bezerra, pai de três filhos: Francisco e Miguel, de 9 anos, e Maria Vitória, de 7 anos. "Por que tanta demora?"


Atrasos
Se o número de crianças inscritas no Cadastro Nacional de Adoção (CNA) é de 6.567, o de famílias habilitadas para adotá-las é quase seis vezes maior: 35.571. Mas se para cada criança na fila de adoção há seis adotantes, por que elas ainda estão na fila?

Por duas razões. A primeira diz respeito ao perfil de criança idealizado pela maioria dos pretendentes. Enquanto 84% dos pais estão em busca de filhos até cinco anos, 81% das crianças têm entre seis e 17.

"Quanto mais o pretendente restringe o perfil da criança, mais tempo vai levar na fila de espera", pondera o advogado Antônio Carlos Berlini, presidente da Comissão Especial de Adoção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de São Paulo.

A segunda razão está relacionada à falta de estrutura do poder público. Em muitas varas da Infância, não há juízes, psicólogos e assistentes sociais em número suficiente para suprir a demanda.

"A legislação prevê revisão da situação da criança de seis em seis meses. Muitas delas, no entanto, ainda não foram destituídas por falta de pessoal para emitir o laudo", reclama a psicóloga Suzana Schettini, presidente da Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção (Angaad). 

                  O cenário parece desencorajador, mas, nos últimos cinco anos, houve avanços significativos. Por exemplo: 30% dos futuros pais já aceitam adotar irmãos

        Wander Barbosa Advogado | Direito de Família e Sucessões

        www.wanderbarbosa.adv.br